Vou começar com um pequeno resumo
para que não querer viver assim faça
sentido e não choque logo pelas primeiras linhas.
O amor é o maior da vida, sem
queixas, sem dramas e com paixão. Tudo o que eu quero está no homem com quem casei.
E isto importa-me e muito. Gostava de
esclarecer logo isto.
Depois, porque é preciso, para além
de juntar trapos, ter dinheiro para os comprar, arranjar um emprego. E se se
nasce com jeitinho especial para alguma coisa é mais fácil.
Há quem tenha queda para contas,
quem seja exímio a compreender motores de carros ou fusíveis, goste de curar
pessoas e não lhe faça impressão o sangue, jogue futebol espetacularmente e há
até quem perceba imenso de coisas estranhas (sem ofensa) como biologia,
astronomia, arqueologia, economia, advocacia. Enfim, para mim, menina de letras,
é chinês. Avançado.
Depois há quem nasça uma pessoa
interessada, interessante até mas com pouca aptidão. Dá uns toquezinhos na
escrita criativa e literária mas talvez porque não há nada a fazer e lhe está
no sangue. Já assim eram os avós. Isso não é ter grande talento. A meu ver, não
havia nada a fazer.
Quem tem jeito para escrever procura
um emprego num jornal, numa revista ou numa agência de publicidade se for
minimamente criativa.
Foi o que fiz. Porque achava a minha
imaginação simpática, o meu humor bom e com algum sentido de observação.
Escrevi um livro de poesia e vendi
imensos. No dia do lançamento, depois de ter ido para as livrarias (como se
fossem imensas) vendi no máximo dois.
Mas a sorte nunca foi muito minha
amiga, já uma tia que uma vez me leu a sina me avisou que isto me ia acontecer,
que a minha safa era pensar sempre duas vezes antes de tomar decisões
importantes.
Andei por aqui e por ali a receber
misérias e a sair às tantas sem nada para fazer, sentada à frente do computador
à espera que bebessem o café, que fumassem o cigarro (ou o charro) e que
chegassem as ideias.
Engoli. Depois fiz 30 anos e
pareceu-me estranho andar assim à mercê de egos. Mas andei à mesma. Que
remédio.
Depois de estágios, escravidão, alguns gritos de chefes,
falências e eu sempre com um sorriso na cara, eis que grávida de 3 meses a
empresa onde eu estava (de carácter bastante duvidoso diga-se) fechou.
E eu e a minha barriguinha andámos à
procura de emprego até ganharmos vergonha na cara porque se já estava difícil
com um corpo espetacular então com
mais uns centímetros de diâmetro e a ideia futura de biberons fraldas e
pediatras para o empregador, as opções tornavam-se ridículas. Ou melhor, impossíveis.
E fui bater a outras portas, em
inglês resultaria melhor o que eu quero dizer. Indoor. Era a melhor opção.
Trabalhar a partir de casa como
freelancer, preparar portefólio e curriculum, falar com pessoas, abrir caminho
e ver a minha barriga crescer.
Pude arranjar o quarto como para uma
princesa, coser cortinas e fazer rebordos de cama. Pude ir às compras
devagarinho, lavar a roupa com detergente próprio para bebé e passar uma a uma,
as suas vinte e cinco fraldas de pano, cueiros que nunca chegou a usar,
camisas, bodies e outras vestimentas, tudo com uma dedicação e visão românticas
que provavelmente nunca mais. Passeei o cão muitas vezes e ele ficou elegante e
mimado, andei pelo rio, fiz um curso grátis de preparação para o parto que não
me serviu para nada, fiz uma sessão fotográfica grávida cujas fotografias nunca
pendurei na parede.
E depois ela nasceu e quer queiram
quer não, nada volta a ser o mesmo e é um amor maior do que tudo o que se já
viveu.
Logo no primeiro mês do nascimento
dela comecei a mandar cv’s (nunca gostei desta abreviatura) e mandava a medo
porque se me chamassem teria que deixar a minha ainda tão pequenina filha.
Pensando nesta minha inocência agora
dá-me tanta vontade de rir. Se soubesse o que sei hoje.
Então com ela nascida e a vida
diferente pedi o subsídio de desemprego mas não tive sorte porque a empresa
duvidosa conseguiu que eu não tivesse um contrato de um ano apesar de ter
trabalhado um ano e antes fiz um estágio profissional que não dá direito a
subsídio. E depois porque sem subsídio de desemprego não se tem direito a
subsídio de maternidade e lá fiquei eu, chorosa e envergonhada a olhar para os
olhos de “o que é que vamos fazer” do meu espetacular marido e depois de suspirar
um “tudo se resolve” e um abraço para me consolar.
E o que fizemos foi aguentar e
continuar a procurar emprego e ter que decidir se a filha ia para a escola
mesmo sem termos dinheiro para a pôr ou se eu ia ficando com ela em casa
correndo o risco de não ter onde a deixar caso surgisse emprego.
Os meses foram passando e os
trabalhos em casa diminuindo porque as empresas pequenas não se querem
comprometer e estão em contenção de custos e já ninguém precisa de copywriter,
esqueci-me de dizer que é isso que eu faço e por isso fui sendo parasita de mim
mesma e na minha própria casa. Arrumando, deixando tudo impecável, cozinhando,
amamentado e permanecendo naturalmente exausta e às vezes um bocadinho
diminuída porque a maternidade é a melhor coisa do mundo mas não deixamos de
ser gente com autoestima.
Até que um dia surge uma boa
oportunidade de apenas uma semana, o que já não é nada mau, de ganhar uns
trocos bons numa grande agência e lá fui eu, mudando a vida a toda a gente da
minha família e ao meu marido espetacular para poder ganhar esses trocos,
curriculum e quiçá abrir uma porta para me contratarem como deve ser e ainda tive que pagar uns bons
euros à minha querida empregada em quem confio tanto pelo “peso” a mais que lhe
pus aos ombros ou ao colo durante essa semana e agradecer até à morte à minha
sogra, mãe e cunhados que a receberam de um dia para o outro e a amaram como
ela merecia.
E depois, esse trabalho tinha um
horário que era das 9h30 da manhã às 19h30 da noite independentemente do trabalho que tinha em mãos.
Tudo bem. Quem sou eu para me estar
a queixar. Ainda por cima porque trabalhei mais nessa agência em dois dias do
que um ano na duvidosa.
Era só uma semana em que saía da
agência a correr em desespero total para tentar ainda ver a minha filha que às
19h30 entra em sono profundo, que chata que gosta de se deitar cedo, dar-lhe
beijos, aperta-la, snifa-la o suficiente para me durar três horas no nariz e
deita-la.
Até amanhã.
(em lágrimas...)
E depois aperceber-me que ela está
verdadeiramente ofendida comigo no auge dos seus sete meses e nem me olha nos
olhos apesar de ser só eu a senti-lo e nem se ri muito comigo como fazia a
semana passada e saber que estou a ser parva porque vai passar e para a semana
a nossa vida volta a ser o que era e ela vai gostar de mim outra vez.
(lágrimas...)
Mas depois paro para pensar.
Eu não quero viver assim.
Não quero ganhar bom dinheiro e ver
a minha filha, se tudo correr bem os meus filhos, trinta minutos por dia, com
sorte.
E também não quero que o meu marido espetacular
sinta isto que eu senti durante uma semana, todos os dias da sua vida. Porque
devem ser os dois pais a educar, a estar, a viver e a gozar.
E porque se devem criar hábitos em
que os cafés se bebem em casa e as ideias seguem um método porque a
criatividade também tem fórmula e os charros se fumam ao fim de semana e o
facebook, youtube e amigos devem ser doseados. E 9h30 é tarde para começar a
trabalhar e uma hora e meia de almoço talvez seja muito e talvez não faça
sentido.
Porque a desorganização é tanta que
foi assim que se chegou a este ponto e a culpa desta crise desprezível não é só
dos bancos, dos endividamentos, dos créditos. É também porque as crianças devem
ser educadas em casa e preparadas para serem adultos bons, interessados e que
amem o nosso país porque o conhecem.
Os pais devem trabalhar, claro, mas
o suficiente para ganharem o suficiente para sobreviverem e para viverem bem,
sem ser a medo que o dinheiro não chegue para pagar contas mesmo quando se
trabalha 12 horas para uma empresa que lucra milhões por ano. Não se deve exigir
o mínimo quando se é obrigado a dar o máximo. Dar a vida toda para que as
coisas sejam para ontem porque não podem ser para amanhã. Mas porque é que não
podem ser para amanhã?
O mundo tem que parar, respirar
fundo e ver, de perto, o que se está a criar. Casamentos que correm riscos
porque não existe nada chamado de intimidade de fim de semana, filhos
desapoiados porque é todos os dias que os professores mandam trabalho para
casa, e é preciso ver se está tudo bem, conversar, ser pai. Família longe uma
da outra porque não há tempo para ir lá jantar porque os miúdos mal nos viram e
assim é mais complicado e estamos tão cansados que só nos queremos deitar assim
que eles fecharem os olhos e Deus queira que venham cansados da escola porque
está tudo cansado nesta casa.
E nem há cinemas, nem teatros, nem
passeios ao ar livre e toda a gente acha isto normal.
Porque eu sei, eu tenho a certeza
que temos que trabalhar muito nos dias que correm, temos que ajudar o nosso
país mais do que nunca, temos que produzir mas não é deixando os filhos à
espera no prolongamento que Portugal evolui e chega mais longe.
A família é a base de tudo. Já para
nem falar na felicidade. Pessoas felizes fazem mais, querem mais, contribuem
mais.
E hoje só se pensa no imediato,
aliás não é de hoje, tem-se vindo a pensar assim e por não olhar para o futuro
é que o futuro está tão despido, desprovido, desanimado.
Ainda bem que arranjei este trabalho
de uma semana, nunca me poderia queixar, a nossa filha sobrevive e não ficará
um bebé infeliz por me ver 18 minutos por dia durante uma semana.
Mas para mim, será só uma semana
porque não é possível que pai e mãe trabalhem até às oito da noite mantendo uma
creche e alguém que os vá buscar porque os avós também trabalham, porque o
ordenado jamais compensará.
E o dinheiro jamais compensa a
educação.
Quero tudo. Sim. Quero. E não tenho
vergonha de o dizer.
Porque sei que se tiver tudo posso
fazer muito mais por Portugal.
Quero um emprego estável, sem horas
malucas nem estigmas maternais porque não há paciência para isso. São
necessárias crianças no mundo. Quero um ordenado razoável, que corresponda
exatamente aquilo que dou, nem mais nem menos. Quero chegar a casa e brincar
com os filhos. Quero ter tempo para fazer uma sopa verdadeira. Depois quero
jantar com o marido e dar a mão no sofá da sala e ver séries gravadas. E quero
ter tido tempo para me arranjar de manhã (porque dormi horas suficientes) e pôr
um rímel para que o meu marido espetacular chegue ao final do dia, olhe para
mim e sinta exatamente o mesmo que eu. Somos felizes.
É assim que eu quero viver.