11 de julho de 2005

Folheai os vossos diários no sentido inverso. Não houve sempre um tempo, em torno das Primaveras, em que o irromper do ano vos atingia como uma censura? Havia em vós o desejo de estar alegre e, no entanto, quando saíeis para o ar livre e amplo, surgia na atmosfera exterior uma certa estranheza, e sentíeis insegurança no caminhar, como a bordo de um barco. O jardim começava; mas vós (era mesmo assim) arrastáveis para dentro dele o Inverno e o ano anterior; para vós era, no melhor dos casos, uma continuação. Enquanto esperáveis a participação da vossa alma, sentíeis de repente o peso dos vossos membros, e algo como a possibilidade de ficar doente penetrava no vosso pressentimento aberto. Atribuíei-lo ao vosso vestido demasiado leve, ajustáveis a écharpe em volta dos ombros, corríeis até ao fim da álea: e depois paráveis, de coração aos saltos, na ampla rotunda, decididas a estar de acordo com tudo isso. Mas um pássaro cantava e estava sozinho e renegava-os. Ai, deveríeis ter morrido?
Exerto do texto 67 in, As Anotações de Martin Laurids Brigge de Rainer Maria Rilke

2 comentários:

a-que-quer-voar disse...

boa escolha.. =)

a pergunta.. essa fica a pairar no ar..

quanto às asas que todos temos..
cortadas?
talvez..
por vezes..
ou apenas feridas?
gastas de tantas tentativas falhadas..

..cauba

A Minha Sombra disse...

Óptima questão....