14 de março de 2012

Não quero viver assim


Vou começar com um pequeno resumo para que não querer viver assim faça sentido e não choque logo pelas primeiras linhas.
O amor é o maior da vida, sem queixas, sem dramas e com paixão. Tudo o que eu quero está no homem com quem casei. E isto importa-me e muito.  Gostava de esclarecer logo isto.
Depois, porque é preciso, para além de juntar trapos, ter dinheiro para os comprar, arranjar um emprego. E se se nasce com jeitinho especial para alguma coisa é mais fácil.
Há quem tenha queda para contas, quem seja exímio a compreender motores de carros ou fusíveis, goste de curar pessoas e não lhe faça impressão o sangue, jogue futebol espetacularmente e há até quem perceba imenso de coisas estranhas (sem ofensa) como biologia, astronomia, arqueologia, economia, advocacia. Enfim, para mim, menina de letras, é chinês. Avançado.
Depois há quem nasça uma pessoa interessada, interessante até mas com pouca aptidão. Dá uns toquezinhos na escrita criativa e literária mas talvez porque não há nada a fazer e lhe está no sangue. Já assim eram os avós. Isso não é ter grande talento. A meu ver, não havia nada a fazer.
Quem tem jeito para escrever procura um emprego num jornal, numa revista ou numa agência de publicidade se for minimamente criativa.
Foi o que fiz. Porque achava a minha imaginação simpática, o meu humor bom e com algum sentido de observação.
Escrevi um livro de poesia e vendi imensos. No dia do lançamento, depois de ter ido para as livrarias (como se fossem imensas) vendi no máximo dois.
Mas a sorte nunca foi muito minha amiga, já uma tia que uma vez me leu a sina me avisou que isto me ia acontecer, que a minha safa era pensar sempre duas vezes antes de tomar decisões importantes.
Andei por aqui e por ali a receber misérias e a sair às tantas sem nada para fazer, sentada à frente do computador à espera que bebessem o café, que fumassem o cigarro (ou o charro) e que chegassem as ideias.
Engoli. Depois fiz 30 anos e pareceu-me estranho andar assim à mercê de egos. Mas andei à mesma. Que remédio.
Depois de estágios, escravidão, alguns gritos de chefes, falências e eu sempre com um sorriso na cara, eis que grávida de 3 meses a empresa onde eu estava (de carácter bastante duvidoso diga-se) fechou.
E eu e a minha barriguinha andámos à procura de emprego até ganharmos vergonha na cara porque se já estava difícil com um corpo espetacular então com mais uns centímetros de diâmetro e a ideia futura de biberons fraldas e pediatras para o empregador, as opções tornavam-se ridículas. Ou melhor, impossíveis.
E fui bater a outras portas, em inglês resultaria melhor o que eu quero dizer. Indoor. Era a melhor opção.
Trabalhar a partir de casa como freelancer, preparar portefólio e curriculum, falar com pessoas, abrir caminho e ver a minha barriga crescer.
Pude arranjar o quarto como para uma princesa, coser cortinas e fazer rebordos de cama. Pude ir às compras devagarinho, lavar a roupa com detergente próprio para bebé e passar uma a uma, as suas vinte e cinco fraldas de pano, cueiros que nunca chegou a usar, camisas, bodies e outras vestimentas, tudo com uma dedicação e visão românticas que provavelmente nunca mais. Passeei o cão muitas vezes e ele ficou elegante e mimado, andei pelo rio, fiz um curso grátis de preparação para o parto que não me serviu para nada, fiz uma sessão fotográfica grávida cujas fotografias nunca pendurei na parede.
E depois ela nasceu e quer queiram quer não, nada volta a ser o mesmo e é um amor maior do que tudo o que se já viveu.
Logo no primeiro mês do nascimento dela comecei a mandar cv’s (nunca gostei desta abreviatura) e mandava a medo porque se me chamassem teria que deixar a minha ainda tão pequenina filha.
Pensando nesta minha inocência agora dá-me tanta vontade de rir. Se soubesse o que sei hoje.
Então com ela nascida e a vida diferente pedi o subsídio de desemprego mas não tive sorte porque a empresa duvidosa conseguiu que eu não tivesse um contrato de um ano apesar de ter trabalhado um ano e antes fiz um estágio profissional que não dá direito a subsídio. E depois porque sem subsídio de desemprego não se tem direito a subsídio de maternidade e lá fiquei eu, chorosa e envergonhada a olhar para os olhos de “o que é que vamos fazer” do meu espetacular marido e depois de suspirar um “tudo se resolve” e um abraço para me consolar.
E o que fizemos foi aguentar e continuar a procurar emprego e ter que decidir se a filha ia para a escola mesmo sem termos dinheiro para a pôr ou se eu ia ficando com ela em casa correndo o risco de não ter onde a deixar caso surgisse emprego.
Os meses foram passando e os trabalhos em casa diminuindo porque as empresas pequenas não se querem comprometer e estão em contenção de custos e já ninguém precisa de copywriter, esqueci-me de dizer que é isso que eu faço e por isso fui sendo parasita de mim mesma e na minha própria casa. Arrumando, deixando tudo impecável, cozinhando, amamentado e permanecendo naturalmente exausta e às vezes um bocadinho diminuída porque a maternidade é a melhor coisa do mundo mas não deixamos de ser gente com autoestima.  
Até que um dia surge uma boa oportunidade de apenas uma semana, o que já não é nada mau, de ganhar uns trocos bons numa grande agência e lá fui eu, mudando a vida a toda a gente da minha família e ao meu marido espetacular para poder ganhar esses trocos, curriculum e quiçá abrir uma porta para me contratarem como deve ser e ainda tive que pagar uns bons euros à minha querida empregada em quem confio tanto pelo “peso” a mais que lhe pus aos ombros ou ao colo durante essa semana e agradecer até à morte à minha sogra, mãe e cunhados que a receberam de um dia para o outro e a amaram como ela merecia.
E depois, esse trabalho tinha um horário que era das 9h30 da manhã às 19h30 da noite independentemente do trabalho que tinha em mãos.
Tudo bem. Quem sou eu para me estar a queixar. Ainda por cima porque trabalhei mais nessa agência em dois dias do que um ano na duvidosa.
Era só uma semana em que saía da agência a correr em desespero total para tentar ainda ver a minha filha que às 19h30 entra em sono profundo, que chata que gosta de se deitar cedo, dar-lhe beijos, aperta-la, snifa-la o suficiente para me durar três horas no nariz e deita-la.
Até amanhã.
(em lágrimas...)
E depois aperceber-me que ela está verdadeiramente ofendida comigo no auge dos seus sete meses e nem me olha nos olhos apesar de ser só eu a senti-lo e nem se ri muito comigo como fazia a semana passada e saber que estou a ser parva porque vai passar e para a semana a nossa vida volta a ser o que era e ela vai gostar de mim outra vez.
(lágrimas...)
Mas depois paro para pensar.
Eu não quero viver assim.
Não quero ganhar bom dinheiro e ver a minha filha, se tudo correr bem os meus filhos, trinta minutos por dia, com sorte.
E também não quero que o meu marido espetacular sinta isto que eu senti durante uma semana, todos os dias da sua vida. Porque devem ser os dois pais a educar, a estar, a viver e a gozar.
E porque se devem criar hábitos em que os cafés se bebem em casa e as ideias seguem um método porque a criatividade também tem fórmula e os charros se fumam ao fim de semana e o facebook, youtube e amigos devem ser doseados. E 9h30 é tarde para começar a trabalhar e uma hora e meia de almoço talvez seja muito e talvez não faça sentido.
Porque a desorganização é tanta que foi assim que se chegou a este ponto e a culpa desta crise desprezível não é só dos bancos, dos endividamentos, dos créditos. É também porque as crianças devem ser educadas em casa e preparadas para serem adultos bons, interessados e que amem o nosso país porque o conhecem.
Os pais devem trabalhar, claro, mas o suficiente para ganharem o suficiente para sobreviverem e para viverem bem, sem ser a medo que o dinheiro não chegue para pagar contas mesmo quando se trabalha 12 horas para uma empresa que lucra milhões por ano. Não se deve exigir o mínimo quando se é obrigado a dar o máximo. Dar a vida toda para que as coisas sejam para ontem porque não podem ser para amanhã. Mas porque é que não podem ser para amanhã?
O mundo tem que parar, respirar fundo e ver, de perto, o que se está a criar. Casamentos que correm riscos porque não existe nada chamado de intimidade de fim de semana, filhos desapoiados porque é todos os dias que os professores mandam trabalho para casa, e é preciso ver se está tudo bem, conversar, ser pai. Família longe uma da outra porque não há tempo para ir lá jantar porque os miúdos mal nos viram e assim é mais complicado e estamos tão cansados que só nos queremos deitar assim que eles fecharem os olhos e Deus queira que venham cansados da escola porque está tudo cansado nesta casa.
E nem há cinemas, nem teatros, nem passeios ao ar livre e toda a gente acha isto normal.
Porque eu sei, eu tenho a certeza que temos que trabalhar muito nos dias que correm, temos que ajudar o nosso país mais do que nunca, temos que produzir mas não é deixando os filhos à espera no prolongamento que Portugal evolui e chega mais longe.
A família é a base de tudo. Já para nem falar na felicidade. Pessoas felizes fazem mais, querem mais, contribuem mais.
E hoje só se pensa no imediato, aliás não é de hoje, tem-se vindo a pensar assim e por não olhar para o futuro é que o futuro está tão despido, desprovido, desanimado.
Ainda bem que arranjei este trabalho de uma semana, nunca me poderia queixar, a nossa filha sobrevive e não ficará um bebé infeliz por me ver 18 minutos por dia durante uma semana.
Mas para mim, será só uma semana porque não é possível que pai e mãe trabalhem até às oito da noite mantendo uma creche e alguém que os vá buscar porque os avós também trabalham, porque o ordenado jamais compensará.
E o dinheiro jamais compensa a educação.
Quero tudo. Sim. Quero. E não tenho vergonha de o dizer.
Porque sei que se tiver tudo posso fazer muito mais por Portugal. 
Quero um emprego estável, sem horas malucas nem estigmas maternais porque não há paciência para isso. São necessárias crianças no mundo. Quero um ordenado razoável, que corresponda exatamente aquilo que dou, nem mais nem menos. Quero chegar a casa e brincar com os filhos. Quero ter tempo para fazer uma sopa verdadeira. Depois quero jantar com o marido e dar a mão no sofá da sala e ver séries gravadas. E quero ter tido tempo para me arranjar de manhã (porque dormi horas suficientes) e pôr um rímel para que o meu marido espetacular chegue ao final do dia, olhe para mim e sinta exatamente o mesmo que eu. Somos felizes.
É assim que eu quero viver.  


3 comentários:

Anónimo disse...

Nem mais.
M.

Catarina Ferreira disse...

Adorei, como compreendo!
Lancei um projecto sobre mães jovens empreendedoras, não passa de um blog em que faço sessões fotográficas e mini entrevistas sobre a maternidade a estas mães,em que algumas delas tiveram a sorte de conseguir criar o seu proprio trabalho e assim poderem decidir os seus horários e estarem mais proximas dos seus filhos! Adorava falar consigo!
passe lá http://tties.wordpress.com

Maria disse...

Tal e qual!! Adorei!