31 de agosto de 2005

Porque forças o que vives e te perdes nesse tempo que não sabes censurar? Desaprova-o como um espírito que rompe o disfarce; houve um tempo em que um Deus de súbito se viu vivo na escuridão. Rasgou-a antes que esta lhe enfraquecesse os sentidos, lhe roubasse o mistério da vida, o matasse sem que se soubesse sem pulsação. Mas o tempo pára. É um tempo que eternamente perscrutas e que dura implexo aí em ti como um constante abalo. É um pano lúgubre que ocupa e que atravessa como uma única imagem, que existe dominante, estática, de uma só aparência. Impenetrável como um rochedo, leve e livre como um ponto caído que se alonga esquecido na brevidade da nossa existência, olhamo-lo como que às escuras sob os lençóis, procurando. Não houve uma altura em que o sentiste? Não houve uma altura em que o tempo parou? Que o espírito se abriu, e que o corpo esqueceste? É um ponto solto que viaja absorto porque é completo, que cumpre seu papel, que se adianta nos segundos, que influi em nossos pensamentos que jazem, indignos de tamanho espectro. O resto cai e respira sob este pretexto, sob esta dor que se sente perto como uma asfixia, que comprime com o peso da sua indizível gravidade, e somos cuspidos violentamente, para o fim. Morreríamos naquele instante de tristeza ou de cansaço. A voz falha, e, porém, se pudéssemos despedaçar todas as formas, toda matéria, esta aparente realidade terminava.
O tempo não passa, mas sabemos que tudo cessará. Que tudo caia; pois susteríamos todo o peso do mundo. Mas, mais além está o nosso quarto. Mais além o tempo avança, os pássaros cantam, e esse mundo acontece. E a voz humana, ouvimo-la de novo. Rapidamente o tormento enche o quarto, e as coisas, essas, odiamo-las e adoraríamos que naquele instante ardessem a partir do interior. Noutras alturas, enchemo-nos de ar, cerramos os punhos, e num profundo grito que se eleva no ar, olhamos o alto, submissos. Achamos que se nos ouvissem, se enterneciam e nos tocariam na mão.

3 comentários:

Anónimo disse...

O tempo é regido pela nossa própria vontade, enquanto assim o quisermos.Ainda bem que ainda há palavras que nos tocam!

Guida Marques Pinto disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Guida Marques Pinto disse...

Que texto cru, bem escrito e sentido. Muito bom.
Vim cá ter através de um comentário teu ao Saraband do Bergman.
Tb tenho um blog, se quiseres espreita e comenta.

www.dizconversando.blogspot.com