Saio para ver. Respiro ofegantemente, e precipito-me, à luz da vela que trago comigo, a entrar na fria noite dos corredores da casa. Semicerro os olhos. Distingo ao longe, pedaços de movimento, sombras frenéticas de um televisor ligado, sons imprecisos de vida apressada que desconheço, que se apagam, que se dispersam, que esvanecem tudo em redor e que perscruto, de regresso ao quarto, onde espero, e oiço novamente, uma voz recôndita, que me aventurou outrora, que me segreda palavras de uma beleza indizível, que me adormece enfim em sossego e que deixo fugir. Fecho os olhos e sinto que uma mão me pousa sobre o ombro. Tudo, do lado de lá da porta, fica mais distante. Mas eis que acordo e de novo principiam as dores, os ruídos aguçados a pulsar dentro de mim, e sinto o corpo anémico, a extenuar-se levemente, a dilacerar penosamente a partir do interior, no centro do meu peito. Não durmo. Nada posso fazer. E também aqui… tortura-me a solidão, ninguém a meu lado; não sou visitado há meses. Tremelico com o frio, com o cansaço.
Acordo. Não sei quanto tempo passou, nada oiço em meu redor. Será que me vês? Eu, deitado, aguardando que o passado se revele. Eu, sozinho, fraquejando, pensando em ti. Eu, a morrer, estremecendo, ansiando o teu auxílio, (Que vil forma esta de morrer, em que a dor se sobrepõe ao pensamento)., eu ansiando a minha absolvição. Agora, porém, assim, nada me diz a plena felicidade, quando…imagino, distraído pelo forte aperto no peito, nada ter sentido. Que fiz eu, afinal? Se não mentir a escrever.
Também tu a vês? A inefável aparência deste vulto, a minha companhia de todos os dias, uma suave esperança? O reflexo da redenção? A vida a embranquecer seguramente.
Regresso. Seguro o candelabro, entreabro a porta e espreito. O sofrimento parece afastar-se. Recordo-te, vejo-te, e em ti traço uma expressão de assombro. Seguras-me a mão, pareces falar-me, pareces vir comigo. Agora, como antigamente.
7 comentários:
"O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte -
A árvore,a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade."
Fernando Pessoa
ler este texto a ouvir o " Era uma vez na américa" aiaiaia
vamos lá a por o astral para cima ok
A depressão da perda, transforma os sonhos em pesadelos de angustiante esperança de recuperação do perdido.
Um abraço. Augusto
Fantástico, sem dúvida...
De candelabro na mão, também se pode ser simpático nas visitas.
Grato pela folha subscrita no livro destinado aos ilustres.
f.mad.
Só se escreve assim quando ainda se consegue sentir...depois as lágrimas secam.
Stela
a pior dor do ser humano é a solidão
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