25 de julho de 2008

que os meus filhos encontrem os pirilampos

Aos meu filhos, apesar de terem deixado fugir os pirilampos da buzina, e aos futuros filhos dos meus filhos que os hão-de encontrar outra vez.

In Pedro e o Mágico de António Quadros, meu avô

Os Pirilampos

Era uma vez um pai e três filhos. Todas as manhãs, antes de ir para a escola no seu automóvel, a que costumava chamar familiarmente «Bate-Latas», em lembrança do seu primeiro carro que por ter sido comprado em terceira mão e a prestações, fora baptizado com esse nome qe lhe ia a matar.
A mãe ficava em casa a arrumar, a lavar, a limpar, a fazer o almoço, e por isso não entr a na história. Estes filhos tinham-se habituado desde pequenos a ir de automóvel para a escola. Estavam tão habituados, que já nem achavam graça, e julgavam, calculem, que todos os meninos iam também para a escola de automóvel! Muito, muito mais tarde, o pai arrependeu-se de ter facilitado tanto a vida aos filhos. É que a vida não é fácil para ninguém. Não é bom que os meninos julguem que a vida é fácil.
Mas naquele tempo, o pai gostava muito de levar os filhos. O pai trabalhava todo o dia, não tinha tempo para estar com eles, e assim de manhã, os quatro no «Bate-Latas» podiam estar juntos, conversar e rir. O pai ficava aborrecido se algum dia não podia levá-los.
Eles chamavam-se António, Mafalda e Rita. Eram os três aloirados, e o pai achava-os bonitos. Mas já sabem como são os pais! Acham sempre os filhos as crianças mais bonitas do mundo. O António era o mais velho. Tinha oito anos e achava-se muito superior às irmãs. Vinha a seguir a Mafalda. Tinha seis anos, era a mais teimosa, mas às vezes ria-se tanto que parecia que ia rebentar. A Rita tinha só cinco anos e julgava-se tão espertalhona, que o António pasava a vida a mandá-la calar. Às vezes o António batia nas irmãs, mas é melhor não falarmos nisso, porque então ficariamos todos muito desiludidos com ele. Um homem a bater em mulheres! Nunca ouviram dizer que numa menina não se bate nem com uma flor?
Um dua, como de costume, iam os quatro a caminho da escola quando o pai s einclinou para o volante, e se pôs a espreitar para a buzina do carro, que ficava mesmo no meio do volante.
O pai disse então:
- Que massada!
Os filhos ficaram intrigados, julgaram que o «Bate-Latas» estava com alguma avaria, o António perguntou:
- O que é pai?
O pai respondeu:
Agora é que nunca mais posso tocar na buzina!
Desta vez foi a Mafalda que fez outra pergunta:
- Porquê, está estragada?
- Não filha, por causa dos pirilampos.
- Os pirilampos?! – exclamaram os três ao mesmo tempo.
Eu já andava desconfiado – disse o pai – ontem à noite tinha visto umas luzinhas a saírem da buzina. Agora já sei o que é.
- O que é, pai? – interrogou a Rita, que apesar de ser muito espertalhona não tinha percebido bem aquela história toda.
- Foi uma família de pirilampos que veio instalar-se aqui na buzina, lá por dentro. Parece-me que são três.
- Ó pai, o que são os pirilampos? – perguntou a Rita.
- Parvinha! – disse o António.
O pai explicou então:
- Os pirilampos são bichinhos muito pequenos que vivem no campo. Mas têm luz, é como se tivessem lâmpadas eléctricas dentro da barriga.
Nisto, a Rita começou a rir.
- Electricidade dentro da barriga!
Depois, a Mafalda começou a rir ainda mais e o António também, e por fim, o pai. Riam rodos como perdidos, e agora o António era o que ria mais:
- Electricidade dentro da barriga!
O carro teve que parar num cruzamento, e um polícia pôs-se a espreitar lá para dentro. Se calhar julgava que era uma família de doidos.
Quando ficaram amis sossegados, a Rita disse:
- Eu nunca vi pirilampos...
Mas o António, com os seus ares superiores, explicou:
- Eu cá já vi pirilampos, na quinta do tio Manim. E ....
... e acrescentou muito depresa:
- Até já apanhei um.
Nisto, chegaram à escola. O pai disse-lhes:
- Digam adeus aos pirilampos...
Mas eles já nem pensavam nos pirilampos. Sairam do carro a correr porque tinham visto os amigos, os colegas, o jardim da escola.
No dia seguinte, de manhã, iam os quatro outra vez, quando a Rita deu um grito:
- Ó pai, os pirilampos!
O pai respondeu:
- Sabem, agora já sou amigo deles.
Espreitou para a buzina.
- São uns espertalhões, que vocês nem calcula. São três: o pai pirilampo, a mãe pirilampo e o bebé pirilampo. E sabem porqu e é que eles vieram instalar-se na buzina?
- Não! Responderam o António, a Mafalda e a Rita numa só voz.
- O bebé pirilampo estava doente, fazia muito frio. Os pais tiveram medo de que ele morresse, e descobriram então que dentro da buzina estava muito mais quentinho. Chamem-lhes parvos!
- Ó pai, posso espreitar?
- Isso não é bem-educado, Rita. Eles estão agora os três no seu quarto. Tu também não gostas que te espreitem quando estás com a tua irmã no quarto, pois não?
- Mas os pai já espreitou....
O pai respondeu:
- Sim, mas ´s sóq uando esles me dizme que posso olhsar.
O Antõniod esconfiado perguntou:
- Como é que o pai os compreende?
- Já sei falar a língua deles.
Disse a Mafalda:
- Ó pai, como é que eles se chamam?
O pai pôs a boca muito perto da buzina. Disse então para os filhos:
- O pai chama-se Pari-Pari. A mãe chama-se Peri-Peri. E o filhos, que já está muito melhor e mais crescido, chama-se Piri-Piri.
A Mafalda, que costuma rir imenso, deu uma grande gargalhada:
- Pari-Pari, Peri-Peri e Piri-Piri!
Depois, os dias foram passando. O pai levava os filhos todos os dias à escola. Todos os duas contava-lhes histórias dos pirilampos, descreveu o quarto em que viviam, contou a maneira como Pari-Pari conheceu Peri-Peri, e às vezes até contava histórias ao Piri-Piri. Houve mesmo um dia em que, como o Piri-Piri não havia maneira de adormecer, todos se puseram a cantar uma cançao de embalar, para ele adormecer mais depressa.
Veio o verão e durante reês meses o pai não levou os filhos à escola. Em Outubro, quando começaram de novo as aulas, o pai voltou outra vez, muito contente, a levá-los à escola no «Bate-Latas», que também ia muito bem-disposto.
A primeira coisa que a Rita perguntou logo que entrou para o carro no primeiro dia, foi:
- Ó pai, e os pirilampos?
Foi então que o António disse:
- Ó minha pateta, então não sabes que era tudo uma brincadeira do pai?
E a mafalda:
- Não há pirilampos nenhuns dentro da buzina!
O pai disse então:
- Essa agora! Vocês dizem que não há pirilampos?
O António e a Amfalda responderam, ao mesmo tempo:
- Não há, não há!
E a Rita, já meio desconfiada:
- Ó pai, é verdade que não há?
O pai olhou para dentro da buzina:
- Estou a vê-los agora mesmo. Vejo o Pari-Pari deitado em cima da cama. Estará doente? A Peri-Peri anda a varrer o chao.
- E o Piri-Piri? – perguntou a Rita.
- O Piri-Piri está a dar cambalhotas. Este ano está muito grande e a luzinha dele tornou-se tão forte, que até parece um farol.
A Rita disse cheia de curiosidade:
- Ó pai, deixe-nos espreitar.
- Se quiseres...
A Rita espreitou, e não viu nada.
- Ó pai, não vejo nada.
- É que fecharam a luz, foram todos dormir. Não sabes que eles dormem de dia e vivem de noite? Para isso é que eles têm as lanternas.
O António exclamou:
- Não viste nada porque não há pirilampos. Foi tudo brincadeira do pai.
Os dias foram correndo. Passaram meses. Nunca mais se falou em pirilampos. O pai continuou a levar os filhos à escola, todas as manhãs. Mas um dia, o pai inclinou-se como antigamente para a buzina e chamou:
- Piri-Piri! Piri-Piri!
Então a Rita:
- Ó pai, eu também já não acredito nos pirilampos!
O pai ficou assim um bocadinho triste, e disse:
- O pai sabe muito bem que não há pirilampos, aí na buzina. Como é que podiam estar aí dentro?
A Mafalda disse:
- Ó pai, nós já não somos bebés...
E a Rita repetiu:
- Já não somos bebés.
Chegaram à escola. Saíram a correr, como de costume. O pai ficou sentado sozinho, dentro do automóvel. Viu os filhos a conversar com os amigos. Dise-lhes adeus com a mão, e sorriu-lhes. Mas o sorriso do pai era um bocadinho triste. Inclinou-se para o voltante e disse, em voz baixa:
- Pari-Pari, Peri-Peri, Piri-Piri, é melhor irem-se embora, e escolherem outro carro e outra buzina.
Adeus Piri-Piri.
Carregou no botão de contacto, destravou, meteu a alavanca das mudanças em primeira, acelerou, pôs o carro a andar, e foi para o trabalho.
Agora, que os pirilampos se tinahm ido embora, já estava cheio de saudades de todos eles. Do Pari-Pari, da Peeri-Peri e do Piri-Piri. Porque sabia que nunca mais voltaria a vê-los.

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