Há um homem que passa por mim várias vezes por semana.
É alto, velho, bem vestido. Andar pesado. Cabelos brancos e ar zangado.
Sempre que passa por mim lança-me olhares diabólicos e critica-me por fumar. Critica-me muito sem olhar directamente para mim e sem eu o perceber completamente. Odeia-me porque eu fumo ou porque estou na rua a fumar, não sei.
Achei que era a escolhida para o seu ódio fulminante mas depois de me gritar e ameaçar até eu ter medo, passa as suas angústias para a próxima pessoa que tenha o azar de ter este vício e de se cruzar com ele no seu caminho.
Andei a pensar em coisas estranhas.
Andei a pensar no porquê de um homem escolher este ódio. Alguém da família terá morrido por causa do tabaco? É alérgico? Tem medo do fumo? Enjoa-se com o cheiro? Ou será uma obsessão como outra qualquer, um impulso incontrolável de extravasar uma teimosia e zangar-se compulsivamente com o mundo?
Depois invejei-o. É um facto que ele definitavamente não gosta de cigarros nem de quem os fuma e diz-nos, olhos nos olhos até ao inevitável apagar do cigarro por motivos de vergonha. Mas e a sorte que ele tem por ser louco? Dizer assim abertamente que não gosta do que eu faço mesmo não tendo absolutamente autoridade nenhuma para o fazer.
E se eu pudessse andar por aí a criticar uma só coisa, aquilo que mais me enerva, o que eu não posso sequer ver, cheirar, sentir. E não houvesse essa timidez, esse à vontade, essa educação.
Será que ele se deita descansado pelo menos sem um dos seus fantasmas?
Ou talvez eu não devesse fumar e o mundo que eu julgava ao contrário está exactamente como deveria estar.
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