23 de julho de 2010

uma paz

O que escrevemos tem a ver com a forma como nos sentimos nesse dia.
Mesmo quando a intenção é escrever sobre flores, sonhos ou músicas e só pensamos em chuva, o que há a fazer é encolher os ombros, bufar e esperar que daqui a nada as coisas mudem.
Talvez seja o que mais se assemelha à vida real, a escrita. Porque há dias em que não há nada para dizer, há dias em que só apetece dançar, correr por aí, amar sem limites, fugir, sair dali ou daqui ou de todos os lugares.
E também as letras cantam e saltam e vibram e choram compulsivamente.
Sou feita de letras.
Da cabeça aos pés.
E parece que o meu corpo inteiro pensa. Se preenche com palavras.
E parece-me sempre meio tonto que quando há dias que acordo mais feliz que o normal, rabisque umas coisas e escreva o meu nome de casada cinco vezes seguidas ou cubos infantis, palhaços e mais dois ou três bonecos que inocentemente sinto que sei desenhar.
E há dias em que em tristeza nocturna ou matinal escreva mais do que devia.
Lembro-me do meu primeiro poema, era profundo, tão profundo quanto uma menina de 14 anos consegue ser. O enredo era complexo e extremamente invulgar para aquela idade. Falava de um rapaz por quem me tinha apaixonado e era capaz de dar a vida. De um amor não correspondido; original lá está; e de outra mulher, um ano mais velha do que eu, por quem ele se apaixonara.
Foram as 4 linhas mais intensas da minha vida, tão intensas que nunca mais as esqueci.
A partir daí e por achar que a poesia eram rimas, fui decorando palavras que rimavam com outras palavras e que raramente faziam sentido juntas.
Depois, esqueci-me de tudo e deixei de procurar técnica, método.
Deixei de pensar nisso.
E nunca encontrei a perfeição, continuo a olhar para palavras de outros e a pensar que quem me dera ter escrito aquilo.
Mas encontrei talvez o que todos os poetas anseiam a vida inteira, lutam, desejam, questionam.
Uma paz.

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