21 de julho de 2004

Está a ficar tarde

Está a ficar tarde, o vento que soprava violento fugiu por entre a densa neblina deixando cair algumas folhas mortas que voavam em caracol. Agora, só há o ruído do meu pisar sobre o seco e barulhento Outono que surge pálido e enfraquecido vindo dos céus. O chão fica progressivamente com uma agradável tonalidade castanha que contrasta com o tenebroso nevoeiro que me circunda e me faz lembrar um daqueles sombrios cemitérios londrinos que tanto me assustavam quando era pequeno. Lembro-me de escalar o muro de um que ficava a cinco minutos de minha casa onde apavorado me sentava, com as pernas para o lado de lá, a pensar que a qualquer instante um defunto de braços esticados e andar desordenado acordava e rompia o nevoeiro na minha direcção. Quando chegava, silenciosamente cansado, os retratos antigos que me olhavam sempre de viés, sabedores hábeis dos dois mundos, diziam-me com um conivente piscar de olhos que sabiam onde tinha estado; confiava neles. Daí para cá procuro-me tenazmente nas débeis lembranças do meu começo. E aqui [bem no interior da minha imaginação] regresso casualmente, na esperança de ser capaz de me rever na elucidativa genuinidade do meu passado. Mas passeio-me dolente, invejando o que fui e prometia ser.

2 comentários:

BlueShell disse...

Sei o que isso é...

Anónimo disse...

Saudosismo? Por que não acreditares que ainda és o que eras?

*Pecola*

http://pecola.artedoengenho.net/Abismo