3 de outubro de 2007

o lado obscuro de cada um de nós

Carl Jung sempre acreditou, antes de se basear na sua especialidade - a psiquiatria - possuir duas personalidades separadas. Distinguia entre um ego público, aquele que se envolvia com o seu mundo familiar e um eu interno secreto, onde se aproximava de Deus. Durante a sua vida procurou a interacção entre os dois egos.
Lamentava no entanto que à religião faltasse o empirismo, aquilo que alimentava a sua personalidade número 1, e que às ciências naturais faltasse o significado, que alimentava a sua personalidade número 2.
"Lá estava o campo comum da experiência dos dados biológicos e dados espirituais, que até então eu buscara inutilmente. Tratava-se, enfim, do lugar em que o encontro da natureza e do espírito se torna realidade".


...
Tempos depois de o ter estudado, ainda na universidade e de muito ter lido acerca deste homem controverso e eterno rival de Freud, encontrei esta sua carta. O lado obscuro de cada um de nós fez-me tremer por dentro sem temer o cá dentro. Acredito nas suas palavras e não as reconheço. Talvez um dia também eu tenha um
lado obscuro, alguma coisa merecedora de esconderijo.

[Passou no seu casamento por aquilo que é quase um facto universal - os indivíduos são diferentes uns dos outros. Basicamente, constituem um para o outro um enigma indecifrável. Nunca existe acordo total. Se cometeu algum erro, esse erro consistiu em ter-se esforçado demasiadamente por compreender totalmente a sua mulher e por não ter contado com o facto de, no fundo, as pessoas não quererem saber que segredos estão adormecidos na sua alma. Quando nos esforçamos demasiado por penetrar noutra pessoa, descobrimos que a impelimos para uma posição defensiva e que ela cria resistências porque, nos nossos esforços para penetrar e compreender, ela sente-se forçada a examinar aquelas coisas em si mesma que não desejava examinar. Toda a gente tem o seu lado obscuro que - desde que tudo corra bem - é preferível não conhecer.
Mas isto não é erro seu. É uma verdade humana universal que é indubitavelmente verdadeira, mesmo que haja imensas pessoas que lhe garantam desejar saber tudo delas próprias. É muito provável que a sua mulher tivesse muitos pensamentos e sentimentos que a tornassem desconfortável e que ela desejava ocultar de si mesma. Isto é simplesmente humano. É também por este motivo que tantas pessoas idosas se refugiam na própria solidão, onde não serão incomodadas. E é sempre sobre coisas de que elas não desejariam estar muito cientes. O senhor não é, obviamente, responsável pela existência destes conteúdos psíquicos. Se, apesar disto, ainda for atormentado por sentimentos de culpa, reflicta então sobre os pecados que não cometeu e que gostaria de ter cometido. Isto poderá eventualmente curá-lo dos seus sentimentos de culpa relativamente à sua mulher
].


Carl Jung, in 'Cartas'

2 comentários:

jpt disse...

Não leve a mal, que daqui não vai nenhum. Tem uma gralha no texto, inicia com um yung em vez de jung como está no fim. Cumprimentos

Maria Ana Ferro disse...

Muito obrigada pela chamada de atenção. Já está corrigido. Obrigada