23 de novembro de 2005

Anotações

Empobreceu o espírito até que nada restasse... Repetiu frases sem nexo, corrigiu-as em silêncio e disse-as outra vez. Algumas a sobressaltear o seu pensamento perdido até à exaustão, depressa sabia que ganhariam vida e, sem que desse conta, por abstracção ou por impaciência, deixá-las-ia ir, para longe, longe da sua dedução. Mas nada lhe diziam, nada parecia controlar. A verticalidade, a horizontalidade. Então, voltava tudo ao princípio… e o tempo, que no instante igual a tantos outros, era agora só uma palavra, avançava. Continuava numa estranha procura de significação sem critério, sem sentido, (como teria chegado até aqui?) e as palavras, algumas proibidas, poucas intocáveis, cada vez menos, surgiam-lhe violentas, incapazes, ocas e faltava-lhe o ar. Ali ficava, deitada, embalada, quase hipnotizada pela angústia do seu pensamento, por uma sôfrega determinação e assomo que desejava nunca ter experimentado. Mas não eram só as palavras, agora as imagens. Mas deixá-las-ia ir, eram incapazes – pensava, e cedo a abandonariam. Depois, mais nada. O silêncio; a morte que batia no seu corpo cansado, o peso dos seus membros, o pensamento consumido num quarto estranho, as paredes brancas, o silêncio do lado de lá da porta, uma vontade morta por um entendimento sempre errante, sempre frágil, sempre insuficiente como o meu.